A Produção agrícola brasileira pode ficar mais cara ainda?

A produção agrícola brasileira pode ficar ainda mais cara?


Por Paulo Maurício Bonorino


Há poucos dias, entidades de grande representatividade no agronegócio brasileiro – ABRAMILHO, ABRAPA, APROSOJA BRASIL, CNA e FARSUL - encaminharam manifestação, via ofício conjunto, ao Comitê Executivo de Gestão (GECEX) da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), subordinada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, no sentido de se oporem a um pleito de alteração temporária de Tarifa Externa Comum (TEC) do químico conhecido como protioconazol.
Segunda as entidades signatárias da manifestação, a possível alteração da TEC resultaria em uma tarifa de importação de 14% (quatorze por cento), trazendo ônus direto e indireto ao agronegócio brasileiro.
Ocorre que tal substância, com uso liberado na agricultura há muitos anos, é um ativo fungicida de extrema importância para toda a cadeia econômica do agronegócio brasileiro. Vital, se poderia dizer! Porquê? Porque ele é responsável pelo controle de doenças nas principais culturas desenvolvidas em larga escala no Brasil, tais como a soja, o milho, o algodão e outros cereais.
Para se ter uma ideia da relevância do protioconazol para o agro brasileiro, ele é responsável pelo combate da cercosporiose na cultura do milho, doença que está presente em quase todas as áreas dedicadas ao plantio desse cereal no Centro Sul do País. A cercosporiose pode causar perdas de alarmantes 80% (oitenta por cento) na produção dessa cultura!
Dados da EMBRAPA dão conta de que na soja, a temida Ferrugem Asiática, que gera custo de mais de dois bilhões de dólares anuais para seu combate, pode comprometer até 90% de toda a produção da oleaginosa! Como se conclui à vista dos dados acima, o protioconazol pode ser considerado o fiel da balança; no caso, da balança comercial brasileira, não se olvidando que o agronegócio responde por 25% (vinte e cinco por cento) de toda a riqueza produzida (PIB) pelo Brasil atualmente.
O detalhe, nesse caso, não um simples detalhe, como reza o jargão popular, é que o Brasil produz apenas uma pequena fração do que necessita desse produto. Sim, o volume demandado pelo agro para garantir nossas expressivas safras e segundas safras; algumas vezes até uma terceira safra, acaba tornando necessária a importação do produto.
Pelo viés jurídico, a Carta Magna de 1988 estabelece no art. 187, inciso
II, o seguinte:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
(...);
II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização;
A legislação ordinária também estabelece objetivos claros para o agronegócio, reconhecendo a relevância dessa atividade, conforme se deduz da Lei 8.171/91, que dispõe sobre a Política Agrícola no Brasil.
Destacam-se, dentre outros, o art. 2º, incisos III e IV da Lei:
Art. 2° A política fundamenta-se nos seguintes pressupostos:
III - como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, rentabilidade compatível com a de outros setores da economia;
IV - o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranqüilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social;
Ainda, em seu art. 3º, aduz a referida Lei:
Art. 3° São objetivos da política agrícola:
XVI – promover a concorrência leal entre os agentes que atuam nos setores e a proteção destes em relação a práticas desleais e a riscos de doenças e pragas exóticas no País;
A legislação vigente permite concluir que a atividade primária, como atividade econômica que é, não pode ter custo produtivo (insumo) maior do que o preço de venda, sob pena de inevitável colapso. Situação que se agrava quando essa atividade econômica é responsável por produzir alimento. E aqui, alimento para o mercado interno e para o
mercado externo, ou seja, atividade de relevância para a própria sobrevivência da humanidade!
Imagine-se, então, se uma boa parte desse alimento simplesmente deixasse de ser produzido porque um de seus insumos viesse a se tornar severamente mais caro?!
A primeira consequência, e indesejável, seria a subida de preços desses alimentos pela escassez, gerando a famigerada inflação. Sim, a velha e consagrada lei da oferta e da procura. Elementar. Nesse passo, a alteração da classificação tarifária do protioconazol pode, de fato, ser vista como um aumento indireto da tributação se a nova
classificação resultar em uma tarifa mais alta ou em custos adicionais relacionados a Compliance, regulamentação e controle aduaneiro, já que isso pode significar aumento de custo para os importadores e, consequentemente, para os produtores rurais.
Ademais, a alteração temporária da tarifa pode impactar compromissos e acordos comerciais dentro do Mercosul e com outros blocos econômicos, exigindo negociações e ajustes, o que poderia criar um cenário de insegurança negocial.
Diante dessas circunstâncias apontadas acima, a CAMEX, ao decidir sobre a alteração da TEC referente ao protioconazol deve atentar para a necessidade de previsibilidade e segurança jurídica, seja nas relações tributárias em âmbito interno, a fim de evitar encarecimento na produção da safra doméstica e indesejada inflação de preços dos alimentos, seja nas relações exteriores, buscando preservar relações negociais construídas não raras vezes com enormes esforços diplomáticos.


Porto Alegre, 26 de junho de 2024.

Paulo Maurício Bonorino - OAB/RS 60.631

Voltar